terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Doenças do passado avançam no Brasil

15/1/2008
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O esforço para se evitar um surto de febre amarela em áreas endêmicas espalhadas pelo Brasil, inclusive em Minas Gerais, reativa a polêmica sobre doenças infecciosas, algumas milenares, que ainda atacam a população do país. Contrariando os avanços tecnológicos, males do início do século, há tempos erradicados ou controlados, voltam a desafiar a medicina e as autoridades públicas. A sociedade ainda não se livrou das enfermidades do passado e muito menos das surgidas nos tempos modernos. "As infecções bacterianas e virais ainda representam cerca de 30% das doenças que atingem a população brasileira", alerta o coordenador institucional da Secretaria de Estado de Saúde (SES), José Maria Borges. O medo de morrer por contrair o vírus da febre amarela leva multidões aos centros de vacinação e mostra falhas na prevenção e no cuidado pessoal. As perdas humanas e a mortalidade de macacos, um indicativo da presença do microrganismo, dão o alerta vermelho, para avisar que uma antiga doença ainda pode fazer muitas vítimas.

Conheça alguns males reincidentes

Especialistas atribuem o retorno e o aparecimento de formas multirresistentes dessas enfermidades, chamadas reemergentes, às novas relações do homem com o meio ambiente e à capacidade de mutação dos vírus. Pobreza, condições de vida ruins, principalmente de saneamento básico, urbanização desenfreada, falta de informação e até mesmo fenômenos climáticos, como o aquecimento global, também explicam a volta das infecções. O coordenador do curso de pós-graduação em infectologia e males tropicais e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Manoel Otávio da Costa, destaca que, nesse contexto, a febre amarela é uma ameaça.

Segundo ele, a forma silvestre é impossível de ser banida por fazer parte da relação do vírus com os primatas, em regiões de mata. "Mas as ocupações humanas em áreas contíguas a florestas e parques nacionais, com destaque para Goiás e Distrito Federal, são um risco e exigem atenção das autoridades e da sociedade", adverte. E não é necessário ir muito longe para encontrar lugares em que é possível o contágio dessas doenças, a maioria tropicais. "Na região metropolitana, em cidades dormitório de baixa renda como Ribeirão das Neves e em bairros construídos perto de matas na capital, como o Castelo, a chance de contaminação é maior", salienta.

Em Minas, o especialista considera como reincidentes a hanseníase, que na verdade nunca foi erradicada; a tuberculose –por estar ligada à pobreza e ser potencializada pela imunodepressão decorrente da Aids, capaz de reativar bacilos incubados –; a dengue, reemergente por natureza, devido às dificuldades de controle das epidemias; a leptospirose, contaminação hídrica, mais sazonal, por estar ligada às inundações; e a leishmaniose. "O tipo visceral só era contraído em boqueirões ou pés de serra. Com a migração do homem para esses pontos e os desmatamentos, foram criadas as condições para seu

reaparecimento na cidade", afirma.

Avanço

Para José Maria Borges, o Brasil já avançou muito nas formas de tratamento e no controle das doenças transmissíveis, mas ainda é preciso investir muito em prevenção. "As doenças infecto-contagiosas representam um impacto menor do que há 15 anos. A situação é difícil, porque convivemos com uma dupla carga de enfermidades. Precisamos combater também os males ligados ao progresso, como diabetes, hipertensão, câncer e mortes violentas, ligadas ao modo de vida das pessoas. Por isso mesmo, os governos precisam cada vez mais investir, de forma acentuada, em prevenção", afirma.

Desde meados do século 20, com o desenvolvimento de novas tecnologias na área de saúde, aumento do conhecimento humano sobre as enfermidades e os novos fármacos – a sulfa, uma associação usada no trato de infecções intestinais, urinárias e de ouvido, criada em 1930, a penicilina, o primeiro antibiótico usado com sucesso, e várias vacinas – esperava-se que males de natureza infecciosa fossem controlados ou extintos e, gradativamente, substituídos por doenças crônicas. "Vivemos uma fantasia. A vida biológica e sua interação com o ambiente não permite isso", lamenta.

Apesar de o Brasil e o resto do mundo terem experimentado uma mudança no perfil da mortalidade, a tão sonhada transição epidemiológica e erradicação das infecções não ocorreu. "Não tínhamos o entendimento mais abrangente da dinâmica desses processos e da mutação dos vírus. O conceito de doença reemergente está diretamente relacionado às especificidades locais", reforça Manoel Otávio. Em BH, a presença de cães e insetos e os problemas ligados à aglomeração urbana, como precariedade de saneamento básico e habitações insalubres, favorecem a contaminação.

No caso da febre amarela, a possibilidade de novos casos humanos motivou a família de Caio Márcio de Moura, de 11 anos, a pôr suas vacinas em dia. As crianças recebem a primeira dose aos 9 meses e devem repeti-la 10 anos depois. As mortes de macacos na Região Noroeste e de pessoas no DF e Goiás levaram a mãe do menino, Edna Morais, a conferir as datas em que ela e o filho foram imunizados: "Guardo os cartões de vacinação e às vezes olho. Ao saber que as ações já envolviam Minas, corri ao centro de saúde."

Fonte: Jornal de Minas Gerais

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